Pandemia faz despertar a dimensão sustentável do capital

Sustentabilidade

Dentro da perspectiva transformadora que a crise do novo coronavírus pode representar no mundo, o financiamento da retomada econômica segundo padrões socioambientais tem sido motivo de preocupação. A situação atual das empresas soma-se à dívida pública e à urgência de ação, mas, de acordo com o que aponta Annelise Vendramini, pesquisadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há razões para esperar maior participação da sociedade no mercado das ações, dividindo a responsabilidade em pautar as questões ambientais e sociais.

A empresa B3 disponibilizou dados que ilustram esta expectativa: em julho de 2019, cerca de 1 milhão de CPFs com negócios em renda variável foram registrados, enquanto ao mês de abril deste ano, antes de sofrer maiores impactos devido à pandemia, o número dobrou para 2 milhões. Vendramini faz a leitura destes investidores como um perfil predominantemente jovem, em que a gestão considera a sustentabilidade desde o início como fator de valoração econômica a longo prazo.

De forma geral, a pesquisadora indica que a disponibilidade de recursos a esta nova economia depende do cenário de negócios como um todo superar suas atuais barreiras – instabilidades jurídicas e regulatórias e a falta de transparência do setor. Segundo ela, o mundo já está pendendo para esta alternativa econômica e, assim, um ambiente favorável significa despontar na corrida para tal.

Os prejuízos advindos da destruição do meio ambiente somam US$ 480 bilhões ao ano até 2050, de acordo com o WWF, e juntam-se indissociavelmente aos impactos da crise da COVID-19. Segundo análise de Lauro Marins, diretor do CDP na América Latina, a adoção de práticas sustentáveis potencializa a chance de protagonismo na retomada das atividades econômicas.

O Fórum Econômico Mundial já havia indicado, em janeiro deste ano, a migração do capital para a economia limpa. A União Europeia, por sua vez, anunciou € 1,8 trilhão para investimentos orientados pela baixa emissão de carbono até 2027. A proposta, que estima que até 30% das ações de refreamento climático podem surgir de soluções tecnológicas que se baseiam na natureza, tem como principais focos as atividades do agronegócio sustentável, energia renovável, redes inteligentes, economia circular, restauração ecológica e eficiência em transportes e construção civil.

Petrônio Cançado, diretor de Crédito e Garantia do BNDES, afirma o planejamento e aceleramento de ações que considerem a sustentabilidade desde o início dos projetos. O executivo exemplifica com a iniciativa de “esverdear as debêntures incentivadas”, mecanismo de investimento com isenção de imposto de renda que se torna aplicável à infraestrutura sustentável, sendo responsável pela movimentação de R$ 3,1 bilhões até abril deste ano.

O diretor da Yunus Negócios Sociais Brasil, Luciano Gurgel, afirma que a situação atual é consequência da forma que se orientaram as tomadas de decisão em investimentos até o momento. Dessa maneira, os passos seguintes devem enfrentar o desafio de acesso a crédito de maneira a simplificar e facilitar a formação de uma rede de proteção social que possa atuar em possíveis crises futuras. É necessário repensar modelos que desviem da repetição deste mesmo padrão, que, de acordo com o economista Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Mundial da Paz de 2006, representa uma “rota de suicídio”.

Leonardo Letelier, diretor da Sitawi, gestora de fundos que vem atuando com grande demanda durante a pandemia, reafirma o que foi destacado por Lauro Marins: “Sofrerá menos quem tiver maior relevância social”. De acordo com ele, a crise atual fez emergir a consciência de se pensar os impactos sociais e ambientais em meio aos negócios, cujo valor dobra a cada ano e mobilizou, em 2019, US$ 500 bilhões em todo o mundo.

Em consequência da pandemia, as discussões sobre sustentabilidade têm se tornado temas frequentes, passando de nicho de mercado a protagonista de quaisquer ações pensadas a partir de agora. O sistema econômico tem visto suas fragilidades expostas, suscitando reavaliar o comportamento de investidores e consumidores. Para a presidente do conselho da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil, Sônia Favaretto, o cenário vai testar a capacidade de resposta das lideranças e a transparência se tornou fundamental.

Em contraponto, é necessário pensar a dimensão política do tema. Para Paulo Branco, diretor do Instituto Fronteiras do Desenvolvimento, desconsiderar esta dimensão limita a escala de transformação da sustentabilidade. Suzana Kahn, professora da Coppe, Universidade Federal do Rio de Janeiro, complementa ao dizer que a pressão pública não pode esfriar. Caso contrário, as oportunidades de avançar na economia verde e saneamento básico não poderão ser aproveitadas.

Nas discussões sobre este novo eixo de desenvolvimento, insere-se o conceito de bioeconomia. André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, afirma: “Não é possível pensar em retomada sustentável sem reduzir o desmatamento”. Segundo ele, o Brasil não somente tem tecnologia para produzir sem desmatar, mas deve ser exemplo neste processo, estimulando ações sustentáveis para uma economia e um mundo diferentes.

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